sábado, 5 de fevereiro de 2011



O tic tac do relógio me hipnotiza e mergulho no mar de azulejos azuis daquela parede antiga. Um mundo novo surge diante dos meus olhos. Olhos? Não, as pessoas não os tem. São só duas aberturas brancas que assustam, mas nos convidam pra entrar. Não reprimo o meu desejo. Ultrapasso a brancura ocular de um ser e me vejo viajando no seu interior. Caio num grande salão de uma gruta, que dá passagem a uma sala luxuosa. Dentro dessa sala existem pessoas. Pessoas normais, com olhos. As pessoas não me veem, mas elas brigam entre si. Espere! Aquela pessoa não é a mesma cuja os olhos estavam brancos agora? Sim! Ela se vira e me olha com pânico. Nas suas costas é apontada uma arma de fogo que dispara. Aos poucos a vida contida naquele corpo se esvai enquanto o olhar daquela criatura agonizante permanece em mim. Morte. Me viro e vejo uma luz branca convidando pra sair. Dou um passo e sinto algo segurando minha mão. É a criatura, mas já sem olhos. E eu já estou onde estava antes. Antes de aceitar mais um convite ocular decido a observar o lugar. As pessoas permanecem paradas em seus lugares. Quando se movimentam, isso se dá muito rapidamente, e elas parecem flutuar. Me assusto, mas antes que o medo me paralise, me pego mergulhando em outro olhar sem olhos. Novamente uma gruta, mas dessa vez ela dá para um campo de pampas com um imponente jacarandá. A paisagem é bela, mas a cena que está prestes a acontecer não. No alto do jacarandá, o dono dos olhos perdidos (agora com eles) tem uma corda ao redor do pescoço e acaba de dar o último nó no tronco da árvore. Tento impedir o enforcamento iminente, mas minha voz não sai, minhas pernas não se mexem... É nesse momento que aquele ser me mira, e assim o faz desde seu salto até a hora que que o ar se vê impedido de entrar naqueles pulmões. Pulmões mortos. Seus olhos desaparecem e ao mirá-los me vejo novamente no salão dos "desolhados". Começo a correr procurando uma fuga, mas os convites são constantes. Uma mulher atropelada. Um homem decapitado. Uma senhora envenenada. Uma criança abortada. NÃO! Fecho meus olhos e tudo vira escuridão. Quando os abro novamente só há uma pessoa com o globo ocular alvo, e essa pessoa sou eu! Atordoado aceito aquele último convite. Da gruta passo a um familiar cômodo todo azulejado de azul. Lá estou eu (ou um clone de mim) sentado a mesa, com os olhos ainda perfeitos. De repente, como num deja vú, o clone começa a olhar na direção dos azulejos, mas entre os azulejos e o olhar estou eu. É como se eu olhasse nos meus olhos mas não me visse. E como todos os outros olhares, esse também era penetrante, quase uma súplica. Um estrondo se ouve, levando o cômodo com seus belos azulejos azuis abaixo. Meu "clone", é atingido por um grande bloco de pedra que outrora compunha o teto, e ele mantém seu olhar fixo em mim até seu último suspiro. ÚLTIMO SUSPIRO? Novamente estou no salão, mas agora não há ninguém, só eu e um grande espelho. Por incrível que pareça, não tenho mais olhos... Entendo o que está acontecendo e tento chorar. Incrivelmente as lágrimas vem, mas elas são negras, e começam a manchar minha roupa e turvar minha visão. Tudo vira treva!



Escuto o tic tac do relógio, abro meus olhos e me deparo com os azulejos azuis. Primeiramente me assusto, mas depois percebo que dormi escorado na minha mão e tive um sonho esquisito. A rotina cansativa está me fazendo adormecer em qualquer lugar! Me levanto e decido tomar um banho para me manter acordado. Já no box me dispo, e é nesse momento que um vento gélido percorre minha espinha causando um arrepio na alma: Minha camisa está toda manchada de negro...