domingo, 29 de novembro de 2015

Reino intergalático

As luzes reboleiam vagarosamente,
Já falta resistência às cansadas pálpebras.
Grumos insanos de fantasia grudam-se a realidade
Transformando-a em experiências inimagináveis.

Antes do sono se apoderar completamente,
Um pensamento consistentemente fulgás
Mantém aceso algum estado de alerta,
Engatilhando as últimas reflexões de um dia longo.

Tudo começou lá pros idos de oitenta e oito
Quando um rei caçula desabrochava para o Sol.
Entre dois outros astros, logo os progenitores
Notaram a sensibilidade aguçada de tal majestade.

Sua força gravitacional atraiu uma atmosfera
De bom humor e vivacidade, entretanto,
Cometas desgovernados quase desviaram
O pequeno príncipe de sua gloriosa trajetória.

Apesar da nobre alma, o convívio com plebeus
Deu vida àquele exuberante planeta,
Moldando um relevo de simplicidade ímpar
E formações pétreas de respeito inenarráveis.

E eis que o planeta real ingressa em um universo
Repleto de nobres, pregando com fervor a teoria
Que deveriam se apegar às suas bases geológicas
Valorizando a posição de destaque incondicionalmente.

Apesar de certa soberba, o sábio rei se manteve em órbita,
Figurando como personagem das mais distintas constelações.
E quanto mais tomava ciência de seu brilho reluzente,
Maior era a vontade de compartilhar sua cintilância.

Ao começar a busca pelo companheiro de trono,
O corpo celestial se depara com um lixo cósmico
Que suga suas energias e abre caminho
Para uma era glacial de trevas e solidão.

Já cobiçado pelos habitantes da corte,
O rei decide passar seu tempo ocioso
Em galáxias densas dos mais diversos astros
Trocando atenções rápidas com satélites.

“Satélites!
Nunca se sabem quando serão atraídos pela nossa gravidade!”:
Pensava o rei entediado.
Fato que nenhum deles possuía a complexidade digna da corte.

Estranho momento em que um satélite retorna a órbita real.
Seria prudente manter em órbita aquele
Que viera da mais suja e indecente das galáxias?
Entre tédio e vontade de respirar novos ares, o rei diz sim!

Na espera de mais do mesmo, algo chama atenção:
Um diálogo extenso reservando o trivial pro final.
Estranho pra um satélite ordinário, mas
Suficiente para atiçar levemente a curiosidade real.

Enquanto ajustavam-se os campos magnéticos,
Tamanha foi a surpresa cortesã quando,
Retornando exausto de uma galáxia distante
O corpo celeste oferece uma lembrança ao rei.

Lisonjeado, o rei baixa o decreto:
“De agora em diante, certeiro vos falo,
Não és mais um satélite, mas um belo regalo!”
Caminho aberto a uma avenida de emoções.

Não tardou para a física, e essa não falhou.
A proximidade intensa fez a revolução:
Reajuste de gravidades e novas órbitas!
Seria o caminho mais adequado ao trono?

Para delírio dos súditos, uma nova conformação
“Rei feliz?”, ‘Sim senhor!’, com pompa e distinção
 Tudo rosas e lírios, a não ser um porém
O rei quer tudo em ofício, sem tirar nem pôr!

É chegado o momento do novo big bang
Corajoso e sensato, o rei prepara suas armas
E no primeiro dia da nova Era, o anúncio aguardado:
“Caríssimo amado, podemos nos tornar um só reino?”

Observaram-se pequenas erupções vulcânicas,
Alguns tornados se formaram no estômago,
Tremores da crosta foram sentidos,
Mas houve a tão esperada concordância.

Dois anos, onze meses e vinte e nove dias.
Tímido grão de areia temporal no universo
Em que reis se curvaram, planetas se amaram
E o trono abrigou mais memorável união dentre todas as galáxias!

Enfim, o sono suplanta o alerta
Sonhos repletos de reis, planetas e galáxias!
Surpresa e satisfação ao acordar
E descobrir que tudo não passou da mais pura verdade...



domingo, 22 de novembro de 2015

Ré-formulações

O entardecer chegava sob o anúncio do manso apito da maria-fumaça. As galinhas iam vagarosamente se aninhando no poleiro. A Lua, ainda tímida, dava breves sinais de sua majestade noturna. Nesse cenário se encontrava Rogério, escorado na mangueira que plantara quando menino. "Vou plantar essa árvore no topo do mundo!", lembrava das palavras que proferia enquanto cavava um túmulo para a semente que, em poucos meses, se refletiria em vida. Pena que nem todos os túmulos eram iguais... Já se passara exatamente um mês desde que Luan decidira partir para uma viagem de destino imprevisível e sem perspectiva de retorno. "Um ciclo natural", "Eram os planos de Deus", "O tempo irá curar sua dor", foi o que disseram. Que ciclo é esse sem possibilidade de recomeço? Que Deus planejaria levar uma de suas crias aos 23, no auge da juventude? Quanto tempo seria necessário para conter aquele derramamento de lágrimas sem fim? ... Solidão... Era o único paliativo do momento. Perdido em seu santuário e absorto em pensamentos, a dor adormecia e o permitia momentos fugazes de felicidade. Fosse uma tarde juntos arquitetada pela imaginação, ou o primeiro abraço arquivado nas lembranças. Fosse um sonho de ressurreição ou uma visão processada por alucinógenos. Fosse o toque dos lábios simulado pela brisa ou o silêncio total que reinava após uma noite de amor... Quando tudo parecia bem, a realidade chegava cruel e desmoronava os breves momentos de paz. E era exatamente num desses choques de realidade que Rogério se encontrou quando o Sol terminava de se pôr. Juntando esforços inexistentes, ele se levantou pra vislumbrar os instantes finais do astro maior naquele dia. A cada minuto ele se escondia mais um pouco, até sobrarem apenas frágeis raios e então nada. Ao cair da noite, Rogério despencou na verde grama a chorar. Mais uma vez ele presenciara a morte em uma de suas milhares de facetas e já sentia que aos poucos ela ia apoderando-se de si. Malnutrido, desidratado e sem a mínima vontade de prosseguir ele adormeceu, imaginando que encontraria Luan naquela noite, onde quer que ele estivesse. E assim, adormeceu para o que seria seu último sono... Como esperado, lá estava seu amado. Desnudo, com um lindo sorriso e braços abertos para recebê-lo. Enfim havia acabado todo o sofrimento e eles poderiam desfrutar da companhia mútua por toda a eternidade, como profetizaram nas promessas. Inúmeros foram os abraços e beijos do reencontro. Os sentimentos eram a matéria única da nova forma desprovida de corpo físico. Intensos, ardentes, transcendentais! Duas almas sabidamente separadas em outras eras optaram por se unir novamente, desfrutando de todos os prazeres que tiveram em vida. E, no gozo final, ambas se fundiram em uma só, ultrapassando os limites do universo sob uma melodia cósmica perfeita. De repente, veio mais uma vez o silêncio pleno e a escuridão total. Instantes depois, a nova criatura se encontrou no que julgou ser uma compacta caverna marítima, cercada de denso líquido e pegajosas algas. Em um ato de desespero claustrofóbico, encontrou uma estreita passagem e adentrou no que esperava ser a saída daquele terror. Tragado por uma força desconhecida, o corpo, que já parecia físico novamente, deslizou por um longo canal. Uma luz começou a ser vista e um som estridente era ouvido ao longe. Quando o trajeto se encontrava perto do fim, Rogério acordou. Mais uma vez um sonho... A grama estava encharcada, assim como suas roupas, denotando que havia chovido durante a noite. O dia estava claro e o Sol já estava nascendo. Ao levantar e procurar seu inseparável pilão, reparou que a chuva o havia enchido de água. Decidiu beber. Duas mangas maduras, provavelmente derrubadas pela chuva, se encontravam nos arredores. Sem pensar muito, as comeu. Ao final, ficou algumas horas a observar aquelas sementes e tomou a iniciativa de plantá-las. Quando o Sol estava a pino, Rogério respirou fundo e encarou o horizonte. Se deparou consigo mesmo e atinou que a dor ainda estava ali, as lágrimas ainda caiam, as forças não haviam voltado... Porém havia alguma coisa, algo sutil, que estava diferente. Pegou seu pilão e começou a descer, deixando seu santuário para trás. Sem rumo, sem propósito, mas certo que já não pertencia àquele lugar...


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Flor de Ahá

Trem percorre veloz
o belo horizonte de vales
Que desperta novo desejo
De velejar por outros mares

Distâncias quilométricas
Encurtadas sapientemente
Por inabaláveis laços
De miscelâneas sentimentais

Na bagagem trago um Sol
Pra guiar as aventuras
De dois seres que se encontram              
Em multiplicidades de emoções        

Tomado por sorrisos bobos
Sobrevôo a grande ilha
Mergulhado em lembranças
E respirando expectativas

Eis que um frio na barriga
Anuncia o grande momento    
Em marcha tu vens ao longe  
Munido do mais cativo afeto                                                                          
Brumas nebulosas transbordam
Fragilidades transparecem
Chagas de jovens guris
Confusos com a incômoda realidade

Na batalha que se sucede
A tequila aniquila o cansaço      
Embalados por velhas canções
Sentem a doce vida reavivar

Entre fantasias e imaginações  
O mundo contorce e distorce
Em dimensões ocultas de felicidade
Comportando possibilidades impossíveis

Então o Sol brilha mais forte  
Iluminando cenários paradisíacos
Queimando as velhas mágoas
Anunciando as rotas a seguir

No mais alto cume de sintonia
O mundo inteiro se desfaz
As horas voam sobre a flor
Olhares, palavras, gestos: nada mais!

Já em beiras de perfeição
O cruel final se aproxima
Com turbilhão de sensações
Salpicado de bela melancolia  

Sinto então a dor do parto
Em meio a uma declamação
Nuvens condensam em meus olhos
Lágrimas se derramam ao chão

A tempestade se dissipa
Em meio a abraços e carinhos  
A serenidade tão esperada
Faz o meu corpo de ninho.

Mais uma vez um adeus,
Até logo ou até breve
Mala pesada de experiências
Alma grata, feliz e leve!

Quando o tuor enfim termina
Sobram rimas, prosas e versos
E acima de tudo você
Pedacin do meu universo!