segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Lágrima solitária

Era primavera. Mais uma vez admirava pela janela o mar de ipês floridos que coloriam a cidade, enquanto me deliciava com um bombom que acabara de ganhar como presente de aniversário atrasado.

Uma cena corriqueira, confesso, já que sou um admirador nato da natureza, mas dessa vez havia algo diferente. Mais do que me fascinar com aquela paisagem, estava tomando coragem para ler o cartão que acompanhara o presente.

Era um simples envelope verde escuro, com um adesivo de morango que servia como um lacre sutil. Nada amedrontador, porém estava com receio do possível resultado do conteúdo ali presente sobre as minhas emoções.

Acontece que esse presente e o respectivo cartão tinham vindo de uma pessoa que em pouco tempo se tornara muito especial para mim e que, apesar de demostrar todo seu carinho nas sutilezas do dia-a-dia, nunca havia tido a possibilidade de declarar isso em palavras!

Palavras! Ah, as palavras! Elas são tão tocantes, tão poderosas e tão fabulosas! Não é à toa que me arrisco como um pseudoescritor! O impacto que elas tem sobre mim é avassalador!

Alguns bombons mais e a certeza de que não poderia reencontrar minha benfeitora sem dizer minhas impressões sobre os escritos, me deram a coragem suficiente para abrir e encarar as três folhas de carta/cartão que ali estavam.

O que dizer a respeito? Difícil! Quase impossível! Mas tentarei relatar de forma pelo menos inteligível, entretanto não posso garantir que conseguirei...

Logo na primeira impressão, foi possível perceber o cuidado que se teve com a construção daquela linda carta. Uma bela dobradura, folhas bonitas e com escritos apenas de um lado e uma letra impecável, sem rasuras e nem ao menos erros de pontuação ou acentuação. Até os espaços entre as palavras pareciam milimetricamente calculados, dando a certeza de que não houve deslize de atenção em nenhum detalhe.

Como um bom virginiano que sou, todo esse cuidado com os detalhes é extremamente bem vindo e bem valorizado! Porém, mais que um aspecto agradável, esse cuidado apenas refletiu o cuidado que essa pessoa sempre teve comigo durante todo o tempo que nos conhecemos. De sempre perguntar se eu estava confortável, de sempre ser agradável, de sempre tentar ser útil... Enfim, tentando proteger e cuidar bem de alguém que era aparentemente importante para ela: eu!

Isso já seria mais que suficiente, mas lá estavam elas: as palavras! Já nas primeiras linhas elas demonstraram que haviam vindo realmente da pessoa que as escrevera, e, enquanto eu lia, ouvia a sua voz dizendo aquilo tudo, como acontece naquelas cenas de filme!

Nada formal, nada de protocolos a se seguir! Simplesmente a transparência que almejo encontrar em todos os amigos. Isso já me fez abrir um sorriso!

Diferente de mim, que gosto de guardar as partes mais fortes para o final, essa pessoa me surpreendeu logo no início! 

"Considere-se meu melhor amigo!". Cinco palavras foram capazes de trazê-la: a lágrima solitária! Várias outras quiseram vir depois, mas não saíram! Aquela lágrima tinha um papel muito importante pra cumprir!

A carta continuou, e muito bem! Ora remetendo a acontecimentos passados, ora com tons de gratidão, ora com tons de apoio, mas sempre demonstrando todo carinho e cumplicidade tão importantes em uma amizade!

Ao longo da leitura, aquela lágrima solitária ia percorrendo meu rosto. A sensação dela caminhando lentamente parecia cravar de vez todos aqueles belos sentimentos que exalavam das palavras contidas naqueles papéis!

Poderia sim estar em prantos, tamanha a carga emocional daquela carta! Mas a lágrima foi única, tão única como essa pessoa é em minha vida e sempre será!

E por fim a lágrima caiu e foi morrer na última página da carta, bem perto da assinatura, encontrando seu destino e selando de vez algo que nasceu para ser eterno! 


domingo, 9 de setembro de 2012

Escrevendo

E cá estou eu andando em uma das locações mais movimentadas da cidade. Sei que ninguém escreve a respeito disso, e sei também que ninguém escreve nessas ocasiões, mas aqui estou eu, andando e escrevendo sem nenhum propósito aparente.

Talvez essa seja uma das minhas maiores esquisitices, uma vontade sobrepujante de escrever em lugares atípicos. É quase um vício, um impulso mais forte que qualquer iniciativa própria de controlar.

Foi assim quando pulei de paraquedas na juventude, quando esperava minha mulher no altar, quando fui trocar meu filho pela primeira vez e no meio de uma apresentação em um congresso internacional.

Não, não sou um escritor profissional, e nem sequer cheguei a publicar nenhum dos meus rabiscos, mesmo porque a maioria deles não tem nenhum sentido, a não ser para mim. Sou apenas um professor universitário de arqueologia perto da aposentadoria.

Os inúmeros psicólogos que já consultei deram diversas explicações para essa minha "compulsão": vazio interno, insegurança, ansiedade, fuga da realidade, entre tantos outros. Porém, nada que eles sugerissem diminuiu essa vontade extramundana de escrever, a que eu prefiro atribuir ao prazer!

De fato nunca tive vontade de entender as razões desse meu comportamento. Só procurei auxílio devido a insistência da minha mãe, minha mulher e meus amigos, que diriam que qualquer hora dessas eu poderia morrer atropelado num impulso descritivo (o que também não faz sentido, já que um dos meus instintos é olhar para os dois lados da rua antes de atravessar, mesmo quando a mesma é de mão única).

Acho que nunca descrevi as sensações que tenho com essa prática... Mas nesses momentos o coração bate mais forte, consigo sentir o sangue correr em várias partes do corpo, reacendo partes apagadas da mente, me transporto a vários mundos diferentes e consigo achar todo o discernimento que preciso para as horas difíceis. Quase um orgasmo intelectual!

Se isso não incomoda a mim, porque haveria de incomodar tantas pessoas? Não sei explicar, mas creio que são essas coisas complicadas de seres humanos não se adaptarem com coisas diferentes e incomuns...

Bem, mais uma vez matei minha sede literal, agora preciso me apressar para a próxima aula daqui a 10 minutos!