domingo, 11 de dezembro de 2011

Vida Breve

A presa se encontra encurralada. Os batimentos cardíacos estão acelerados. Ela ainda olha ao redor em busca de alguma possibilidade mínima de fuga, mas garras ferozes selam seu fim.

Choque hipovolêmico? Traumatismo craniano? Parada cardiorrespiratória? Arthur tentava desvendar a causa mortis do rato que acabara de vir a óbito pelas mãos do seu amado bichinho de estimação. Por mais que ele pensasse, e mesmo que descobrisse, ninguém além dele iria remover aquele cadáver antes que sua mãe chegasse. E ainda tinha o gato, que ficara todo ensanguentado depois de acabar com seu brinquedo vivo.

O rato num saco plástico e o gato numa gaiola que já estava ficando pequena. Enquanto Arthur levava o pequeno Kali ao pet shop para um banho caprichado, surgiram alguns pensamentos à respeito da brevidade da vida.

Gato entregue, Arthur decidiu passar no cemitério para visitar o túmulo do seu querido e honroso avô.


Adolfo Luís Pereira Filho

1922 - 2007


Toda uma história de vida se resumira ali. Nome, ano de nascimento e ano de falecimento.

Arthur ainda se lembrara do dia que seu avô engasgou enquanto se alimentava e foi ficando vermelho, roxo, até desfalecer em seus braços. Tão saudável! Tão disposto! Como pôde isso acontecer?

Algumas lágrimas não puderam ser contidas. Ele amava tanto o vô Dôfo, como carinhosamente chamava. Rodas de viola, dominó, as fantásticas histórias... Tudo aquilo de repente desaparecera num instante, para nunca mais voltar. Tão rápido, tão doloroso, tão breve...

Mesmo após quatro anos passados, Arthur não havia acostumado com ideia de seu avô morto. Ele ainda vivia! E a maior prova disso era o jardim de sua casa que vô Dôfo fizera questão de montar. A brisa leve, o sabor doce da pitanga e o perfume dos jasmins eram pra Arthur um presente constante daquele homem que outrora tanto admirava. Olhos fechados para lembrar daquele embrião de jardim, onde ele e vô Dôfo se divertiam plantando diversas mudinhas. Mudinhas que hoje cresceram e são uma eterna homenagem à memória daquele homem. Mais que um nome e duas datas cravadas numa placa!

Já? Ao olhar para o relógio Arthur se impressionou com o tempo que havia demorado. Estava tarde! Ele tinha que buscar Kali e depois passar na casa de sua noiva, uma típica virginiana que odiava atrasos. Nessas horas que se descobre o real significado da palavra pressa! Arthur pisou no acelerador com gosto, que foi um dos seus piores erros... De repente um sinal fechado, mas a velocidade está muito alta. Ouve-se ruídos de freadas de ambos lados do cruzamento. O tempo parece se desdobrar e poucos instantes viram uma eternidade. Arthur vê um filme de sua vida, relembra de vô Dôfo e só consegue pensar em uma palavra: BREVE! Um barulho se escuta...

O trânsito para. Ambulantes correm para o local atraídos pela curiosidade. Por um milagre não houve a batida que poderia ser fatal, mas Arthur estava desfalecido pelo susto e o impacto de seu sonoro airbag. Logo ele acorda e encosta o carro para um local seguro, após se desvenciliar do trambolho de ar que ajudou a salvar sua vida.

A polícia é chamada para fazer uma ocorrência e Arthur acaba ganhando uma multa e alguns pontos na carteira por conta de sua imprudência. Saldo bastante positivo pelo risco que havia corrido. Liberado, Arthur liga pra sua mãe, pedindo-a pra buscar Kali no pet shop e se dirige direto para a casa da noiva, já que precisa de um consolo.

Durante o caminho, ainda um pouco em choque e há uma velocidade bem moderada, Arthur fica imaginando como a morte está à espreita. Poderia ter acabado tudo ali! Será que valia a pena viver essa vida tão breve e sujeita ao inesperado?

Triste, Arthur estacionou na porta da casa de sua noiva e, ao tocar o interfone, foi atentido pela doce voz de sua amada pedindo que ele subisse. Ao chegar em seu quarto, ela estava em pé, com uma camisola rosa, olhos marejados, um sorriso amável e as mãos acariciando o ventre. Arthur logo entendeu o recado e, pela segunda vez no dia, não conseguiu conter as lágrimas. Partiu para um abraço efusivo com sua alma gêmea enquanto orgulhava-se e entendia de uma vez por todas aquela fatídica VIDA BREVE.