sexta-feira, 3 de março de 2023

Só mais uma noite de verão

Era fim de tarde de sábado. Recusei dois convites sociais enquanto tomava um restinho de kombucha e assitia trechos de filmes repetidos num canal qualquer. Entre uma e outra mexida no celular, li umas conversas antigas com dates do passado e resolvi que seria melhor deitar mais cedo. Um banho, os creminhos de pele que a idade pede, uma boa escovada nos dentes e, enfim, cama. O silêncio ensurdecedor daquela casa no interior só era quebrado por uma ou outra gia e eventualmente uns pernilongos perdidos, mas não naquele dia. O travesseiro, astuto que só, parece ter ativado as engrenagens do cérebro e o sono, que já estava ali durante o ritual pregresso, num instante desapareceu. Sabe aqueles dias que revemos todas as nossas escolhas e nos punimos por todas as mazelas do mundo? Era hoje! Toda fortuna gasta em sessões de terapia e eventuais remedinhos pareciam só um amontoado de decisões precipitadas... As mesmas velhas tormentas "repaginadas" voltavam a me assombrar e eu pouco sabia como sair daquela arapuca autóctone! Num desespero quase infantil por migalhas de sono, decido contar carneirinhos, e, quando chego aos 37, uma onda de frustração me abate de vez. Seria eu um fracassado por já estar nessa idade ainda sem a estabilidade financeira e emocional que se espera em um adulto?! Um suspiro prenuncia a certeza de uma madrugada insone. O relógio marca 2:39 e decido me levantar para fazer um lanchinho. Na geladeira vazia encontro um iogurte vencido e decido encarar. Enquanto como, penso em quantas validações tenho buscado sem nenhum sucesso e a tristeza se aprofunda ainda mais... Ciente de que o sono é um artigo de luxo fora das minhas pretensões, ligo novamente a TV. Inexplicavelmente, vejo a cena de Alex apanhando do mendigo, já na parte em que o protagonista de Laranja Mecânica está sofrendo as mazelas reversas que outrora causou. Estaria eu colhendo os frutos das minhas péssimas escolhas?! Decido fazer um chá, mas o gás acaba no meio do preparo e deixo aquela água morna no forno. São tantas relações frias que tenho vivido que a temperatura daquela água até funcionaria como um agasalho... Volto pra cama enquanto o relógio já marca 4:04. Tento uma música, e a ironia do destino traz Sozinho, de Caetano 🎶 "eu fico imaginando nós dois" 🎶 nós dois quem?!  Ao perceber que minha situação é pior que eu imaginava, os primeiros raios de Sol chegam para dar o veredicto de mais uma noite perdida. Nunca fui bom de dormir na claridade, então levanto e vou fritar uns ovos e passar um café. Assim, frustrado, reinicio mais um dia esperando que as fadas e os elfos tragam notícias melhores num futuro breve...