domingo, 16 de novembro de 2025

Finitude

O relógio marca 21:22. Subitamente sou transportado para lembranças infantis, em que horários sequenciais tinham todo um significado lúdico, que eu me desafiava para não pisar nas linhas da calçada, e que no meu universo particular imaginário eu era a Tempestade do X-men ou um professor de alunos imaginários. Volto para minha realidade. Com o chá já frio e uma pilha de provas para corrigir, percebo que vou perder a luta para o sono em breve. Ligo a vitrola e, ao som de Nara, acendo um incenso cítrico, sento na poltrona e começo a divagar... Quando foi que o mundo fantástico dos anos infantes foi atropelado pela brutalidade da vida adulta? Onde foi parar toda aquela criatividade que deixava tudo mais estimulante? Em que momento as cores foram se desbotando até que o cinza e os tons pastéis tomassem conta? As perguntas se acumulam e, velozes como um carro de Fórmula 1, vão rumando para uma possível crise existencial. A terapia é só na quinta-feira e não quero gastar uma sessão com tais questões filosóficas, já que os problemas práticos necessitam de urgência. Então, pego um rascunho no canto da escrivaninha, minha caneta xodó e me proponho a escrever. Nunca tive a audácia de me imaginar como um escritor, mas sempre tive esse hobby como válvula de escape. Olho pro papel, insinuo um título, escrevo palavras soltas atrás de uma temática, mas sem muito progresso. Decido começar a escrita para pegar no tranco, porém, depois de dois versos sem muita potência, a tinta da caneta começa a ratear... Num instinto tento um rabisco pra ver se ela volta, mas nada feito. Então a desmonto e hei que me deparo com o inesperado: a tinta acabou... Não consigo precisar naquele momento há quanto tempo tinha essa caneta, mais de cinco anos certamente, talvez até mais de dez. Não usava assiduamente, claro, afinal nesse mundo digital, objetos como canetas e vitrolas são raridades. E falando em vitrola, o disco já acabou de tocar e eu nem percebi... Na falta de caneta e música, abro um uísque para estimular o sono e terminar o dia minimamente relaxado. Com o olhar perdido, vejo o incenso soltar os derradeiros fios de fumaça enquanto as últimas cinzas caem. Termino a bebida e rumo para a cama a fim de uma merecida noite de descanso. Na escrivaninha, fecho o Kindle que estava aberto com o último lançamento de Mel Duarte. Pra embalar meu sono, peço a Alexa para tocar o cd da Liniker. Pego meu celular pra dar aquela última olhada antes de dormir e então vejo as horas: 23:24. Fecho os olhos com uma vaga impressão de que nada mais vai ser como antes...

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