domingo, 17 de novembro de 2013

Salve Drummond!

Enjoado com todo o murmurinho a respeito do fim do mundo, inauguração de estádio para a Copa e festas de réveillon, Maurício junta algumas peças de roupa em sua mochila de trilha e decide passar uns dias com os avós no interior.

A viagem é longa: Cinco horas e meia de ônibus! Pelo menos a estrada é boa. Basta algumas crônicas de Sabino, uma dose machadiana ou a sutileza de Clarice para a Rodoviária de Miraí chegar num piscar de olhos! Dessa vez, ele tinha decidido atravessar as montanhas mineiras com uma pitada poética de Drummond, já que, dias antes, seu professor de história medieval lhe presenteara com uma coletânea do famoso autor.

Acontece que, entre um poema e outro, Maurício foi transportado para um estado bem particular, aquele onde poeta, poesia e leitor dialogam, a ponto de nunca saber se tal diálogo foi real ou não passou de pura fantasia...

"ah PORQUEAMOU
e se queimou 
todo por dentro e por fora nos cantos nos ecos
lúgebres de você mesm(o,a)...?"                     , pergunta Drummond.

Amei porque parecia bom,
Intenso! Imenso!
Fraterno como o afeto... 
Eterno como a vida...                                          , pensa Maurício.

"E o que mais, vida eterna, me planejas?
O que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é fuga e vento."         , retruca Carlos.

Fugaz, mas inevitável.
Esganado por pecados,
inundado por uma culpa, 
que nem sei se possuo.                                       , admite Maurício.          

"Nem sabes se és culpado
de não ter culpa."                                                  , provoca de Andrade.

Há muito além disso que desconheço.
Oceanos de indagações e
chamas de insatisfações
queimando esse triste amor.                             , insiste Maurício.

"Amor triste? por que triste,
se é sempre forma de amor..."                          , sugere Drummond.

Triste pois chora,
e esbraveja-se após o gozo.
Mata um leão por dia
com farpas de carvalho.                                       , explica Maurício. 

"Se você sabe explicar o que sente, 
não ama, pois o amor foge 
de todas as explicações possíveis."                   , conclui de Andrade.

Não amo, pois o amor morreu.
É carcaça pútrida se desfazendo 
em um campo de jasmim.                                    , clama Maurício.

"O meu amor é tudo que, morrendo,
não morre todo, e fica no ar, parado."              , cutuca Drummond.
 
Ainda que reste uma chama efêmera,
o que diriam se eu a alimentasse
com louros de afeto?                                              , indaga Maurício.

"Que retrato de ti legas ao mundo?
Se são tantos retratos, repartidos..."                 , relembra Carlos.

O retrato de quem amou 
com a intensidade de um trovão!
Mas para reanimar o vulcão do amor,
O que esse servo deve oferecer?                         , questiona Maurício.

"Amor é dado de graça,
é semeado no vento, 
na cachoeira, no elipse."                                       , filosofa de Andrade.

Hei de recuperar o amor perdido,
assim que os ventos do interior
me empurrarem novamente
para o Belo Horizonte da capital.                       , decide Maurício.

"Qualquer tempo é tempo.
A hora mesma da morte
é hora de nascer."                                                   , finaliza Drummond.


Interrompido pelo motorista que lhe informava o fim da viagem, Maurício fechou o livro, recolheu seus pertences e desembarcou, ainda um pouco zonzo com o fantástico diálogo. Após alguns minutos refletindo sentado em um banco, Maurício vislumbrou um telefone público e foi em sua direção. Após discar alguns números pode-se ouvir:

-  Alô, Cris? Quer vir passar uns dias comigo em Miraí?

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