sexta-feira, 23 de julho de 2010

Rachadura


Sim! Dentro desse peito bate um coração. TUM TÁ, TUM TÁ, TUM TÁ. Sempre assim, às vezes acelera-se, às vezes parece parar. Parar! Quantas vezes já não quis fazer isso... Mas enquanto não faço ele lá continua seu trabalho, um trabalho fisiologicamente fácil, mas emocionalmente complicado. Por anos desprotegido ele foi ferido, esmagado, dilacerado, apunhalado. Sentimentos que pareciam concreto para reorganizá-lo não passaram de veneno para debilitá-lo ainda mais. Já no estado agonizante, eis que surge a primeira ideia genial. Era perfeita, a solução de todos os problemas. Bastaria colocar uma proteção ao seu redor, um isolante total, que não permitisse que nada além de sangue entrasse e saísse. A vida foi um paraíso por um mês. Lá estava ele protegido, cicatrizando todas suas feridas e trabalhando com tranquilidade. Mas o tempo passou e o paraíso começou a ficar cinza. Sem sentimentos a vida se tornou uma sobrevida e a proteção se transformou num método de autotortura. Teimoso, resolvi deixar a pseudoproteção acreditando que era o melhor a se fazer, porém, a pressão interna causada pelos sentimentos que insistiam em sair do coração superou a resistência daquele material protetor e, seguindo um conceito básico da física, a proteção se rompeu e a situação voltou a ser a mesma. Quiçá pior! O sôfrego coração continuou servindo como um hotel pra emoções, mas o hotel já estava velho, caindo aos pedaços, e, por conta disso, só recebia os hóspedes mais chinfrins, daqueles arruaceiros, que descontentes com a péssima situação do estabelecimento procuram piorá-lo, seja jogando uma bola de papel higiênico molhado no teto ou roubando a toalha bordada que outrora servira aos nobres. Com uma administração desorientada, nada além de paliativos eram feitos. De que adianta retirar aquela bola de papel ou comprar uma nova toalha se os cupins continuam roendo as estruturas? Falido! Sim, falido! Assim estava aquele estabelecimento chamado coração. Mas então surge um novo administrador com pensamentos deveras positivos de recuperar o que parecia irrecuperável. A reforma começa. Muito lixo é encontrado e jogado fora, até aquela sujeirinha mais escondida. Muitas antiguidades são descobertas e colocadas no porão. Insetos e parasitas são devidamente eliminados. Paredes antigas são derrubadas e outras novas são construídas. A fachada também é reformada, e no fim temos um coração renovado, pronto pra reviver todo tipo de emoção. Mas será que devo deixar o coração desprotegido? Não estaria ele sujeito a todo tipo de estragos que sofrera no passado? Orgulhoso da reforma feita e temeroso que o patrimônio fosse depedrado novamente, decidi protegê-lo. Não com um isolante total sugerido pela física da última vez, mas sim com a membrana semipermeável tão utilizada na biologia. Ela decide o que entra e o que sai, e o excesso que insistir em sair mas não passar pela membrana será devidamente reciclado. Novamente vislumbrei o paraíso, e lá se vão algumas semanas, mas só escrevi isso tudo porque vi algo que me chamou atenção. Apesar de tudo estar na mais perfeita ordem, uma pequena RACHADURA se faz presente no cantinho esquerdo da membrana. Estaria a proteção fadada ao fracasso outra vez? Estaria o paraíso prestes a ser varrido por um dilúvio externo? Sinceramente não sei, só o tempo dirá. Enquanto isso vou curtindo o paraíso e ouvindo um som tranquilizador: TUM TÁ, TUM TÁ, TUM TÁ, TUM TÁ...

5 comentários:

  1. Como eu sou da area da saúde amei essa analogia!!!!

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  2. Carlito, como é que vc conhece meu coração?

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  3. Obrigado Lu, obrigado Cíntia. E Flávia, que bom se identificou com o texto, vai ver somos parecidos! =)

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  4. Que texto mais doce e poético! Tá lindo.
    Você parece um romântico medieval: um menestrel.
    Já deixei sua resposta em meu blog.
    abração
    Atena

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